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E essa etimologia do nhe-nhe-nhem, hein?
Parte gostosa da língua portuguesa é poder usar palavras com redobro, isto é, com sílabas repetidas. Nossa, como são deliciosas de se falar!
Há várias justamente ligadas à fala. Fofoca é ti-ti-ti. Conversa fiada é blá-blá-blá. Um boato é zum-zum-zum. Conversa mole é lero-lero ou tro-lo-ló; se demorada, é lenga-lenga. Uma confusão de gente é um bafafá, um bololô; é um fula-fula danado, um ruge-ruge, um sururu daqueles!
A mais bacana, na minha opinião, é nhe-nhe-nhem. Hoje, chamam de mi-mi-mi (grafia mais adequada que ‘mimimi’) aquele discurso reclamão de outra pessoa, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso popularizou na década de 90 o termo nhe-nhe-nhem (então grafado ‘nhenhenhém’). Repercutiu pra chuchu! Apesar de seu vasto vocabulário acadêmico, para designar a ideia de ‘falatório, falazada’, FHC ressuscitou um termo popular existente desde a década de 1930.
Pelo menos é dessa época que se tem os primeiros registros escritos. Alguns livros e páginas da internet, no entanto, contam uma origem muuuito mais antiga. O que se diz é mais ou menos isto: “A origem é da língua tupi, na qual ‘nheem’ significa falar. Em meados do século XVI, aqui no Brasil, os portugueses achavam que os índios falavam muito. Então, eles usavam três vezes a palavra ‘falar’ para representar esse tal ‘falatório’.” Mas, e aí, o que é verdade nessa estória?
O certo é que, segundo o linguista Antenor Nascentes, ‘nhe-nhe-nhem’ vem do tupi ‘nheeng-nheeng-nheeng’, um redobro de ‘nheeng’, que significa ‘falar’. Pronto. É isso.
Ir além dessa informação é uma pretensão sem amparo de evidências históricas. Como afirmar algo que teria acontecido há quase 5 séculos para o qual não se tem nada registrado? O duro é que até o folclorista e antropólogo Câmara Cascudo, no seu ‘Locuções tradicionais do Brasil’ (1970), abraçou essa explicação. Ixe! Quem duvidaria de um dos maiores etnógrafos do Brasil? (Vai levar um cascudo!) Não sei, não… Eu tenho lá minha dúvidas. Olha só.
A inconsistência das versões espalhadas por aí abona essa parte pseudoetimológica da historinha contada. Há versões afirmando que os indígenas é que achavam os portugueses faladores – o que faz mais sentido, pois ‘nheeng’ é tupi. Por que os colonizadores usariam uma palavra “bárbara” (e não uma portuguesa) para descrever o falatório indígena?
A questão mais intrigante, que derruba essa origem do século XVI, é: se o termo existe desde 1500 e bolinha, por que só apareceu na literatura na década de 1930? Se seu registro escrito tem cerca de um século apenas, então, sua origem não está longe disso.
Pois é… Essas afirmações sem prova e sem lógica são boas para cativar público, mas não passam de nhe-nhe-nhem
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Referência: ‘Crítica: segunda série’, por Humberto de Campos (1935).
Figura: printe de uma página do Instagram.
Sugestão: Gabriela DPS.