Expressões que não são racistas. Confira algumas.

Campanha contra a disseminação de pseudoetimologias

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Sim, eu sei que esta página costuma apresentar publicações leves e bem-humoradas, mas, sobretudo, esta é uma página de Etimologia e por respeito a essa importante área da Linguística, volta e meia, eu preciso trazer alguns temas mais sensíveis. Então, dou uma pausa na leveza para tratar de assuntos mais sérios e preocupantes.

Vários perfis e páginas disseminam listas de censura em que palavras e expressões idiomáticas da língua portuguesa são taxadas de racistas. Junto a elas, pede-se às pessoas que as excluam do vocabulário e as substituam por outros termos considerados mais apropriados.

Não vou entrar na questão de que não há “palavras racistas”, mas atitudes racistas, e de que nem todas as expressões que empregam a cor preta/negra se referem a raça, pois só isso já daria assunto para uma ou mais postagens inteiras. Hoje, limito-me às expressões que têm sido censuradas baseando-se em pseudoetimologias (interpretações populares equivocadas da origem de uma palavra ou locução).

Se solicitar o cancelamento do uso de um vocábulo fundamentando-se apenas em sua etimologia já é algo reprovável, imagine o peso disso quando o argumento é uma origem inverídica ou sem evidência histórica ou linguística.



É o caso de, pelo menos, nove expressões que correm o risco de sumir da cultura brasileira, pois estão sendo estigmatizadas como preconceituosas. Aceitando ou não os motivos pelos quais assim estão sendo tachadas, muita gente tem as evitado para não ser acusada dum crime, simplesmente por proferi-las, independentemente do contexto em que se inserem. São estas:

◾ ‘a dar com pau’ – Pseudoetimologia: os escravos que se negavam a comer eram alimentados à força com um ‘pau de comer’. Etimologia: uma grande quantidade de aves migratórias no Nordeste causavam prejuízos às lavouras e, por isso, eram abatidas a pauladas.

◾ ‘criado-mudo’ – Pseudoetimologia: escravos proibidos de falar que ficavam segurando objetos ao pé da cama dos senhores. Etimologia: vem de ‘dumb waiter’, um móvel inglês usado para aparar o serviço de chá.

◾ ‘doméstica’ – Pseudoetimologia: vem de ‘escrava domesticada’, que trabalhava dentro da casa do senhorio. Etimologia: desde o latim, ‘domestica’ é o adjetivo usado para qualquer coisa ou pessoa ligada à casa (‘domus’, em latim); ‘doméstica’ é uma redução de ‘empregada doméstica’ (da casa).

◾ ‘encher o bucho’ – Pseudoetimologia: escravos das minas de ouro só se alimentavam se preenchessem com ouro um buraco na parede conhecido como ‘bucho’. Etimologia: desde o século XIV, ‘bucho’ é apenas sinônimo de ‘estômago’ e não há registro de seu uso na mineração colonial.

◾ ‘fazer nas coxas’ – Pseudoetimologia: vem de telhas irregulares moldadas por escravos em suas próprias coxas. Etimologia: pode ter vindo da relação sexual sem penetração, feita nas coxas, ou do ato de se escrever algo sobre as próprias coxas, produzindo assim manuscritos mal escritos.

◾ ‘inhaca’ (ou ‘nhaca’) – Pseudoetimologia: nome de uma ilha e de um povo de Moçambique, aos quais é pejorativamente atribuído mau cheiro. Etimologia: vem do tupi ‘yákwa’, que significa ‘odoroso’.

◾ ‘meia-boca’ – Pseudoetimologia: era o escravo que não enchia uma saca de colheita até a boca. Etimologia: vem do italiano ‘a mezza bocca’, que significa ‘de fala tímida, que se expressa mal’.

◾ ‘meia-tigela’ – Pseudoetimologia: escravo das minas de ouro que, por não conseguir cumprir uma meta estabelecida, recebia só meia tigela de comida. Etimologia: vem ‘fidalgo de meia tigela’, expressão usada na monarquia de Portugal.

◾ ‘tem caroço nesse angu’ – Pseudoetimologia: os escravos conseguiam esconder pedaços de carne no angu servido. Etimologia: refere-se ao angu encaroçado, quando algumas indesejáveis pelotas de fubá não são totalmente cozidas.

Afirmar que esses termos são ofensivos, baseando-se em prova nenhuma é negligenciar a lógica e a verdade. Tachar de racista determinadas palavras só faz surgir sobre elas um ressentimento que antes não existia. Pior, acusar de racismo alguém que simplesmente disse “criado-mudo” além de ser equivocado, é uma ação que desgasta emocionalmente todos os envolvidos e banaliza a importante luta pela igualdade e dignidade racial.

A “limpeza” do vocabulário de uma língua não muda a natureza preconceituosa de uma sociedade. É a evolução da sociedade nessas questões que se espelhará na língua e nas falas cotidianas. De fato, a substituição de certos termos pode ser algo saudável, mas deve ser pautada em argumentos lógicos, sólidos e práticos e não em pseudoetimologias e interpretações equivocadas. Isso é fundamental para um exercício de diálogo e convencimento (de Educação), em vez de mera censura e incriminação.


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