publicado por @NomesCientíficos, siga-os no Facebook. Por João Montojos e Fernando Pestana.
Sobre ‘denegrir’ e outros termos denegrido
Virou palavra tabu.
Não adianta mais explicar que esse verbo não faz referência alguma aos humanos de pele escura, que nenhum dicionário (antigo ou atual) apresenta essa relação, que ninguém o utiliza correlacionando seu sentido de ‘manchar, aviltar’ a um grupo étnico.
Não faz mais diferença mostrar que a escuridão, as trevas, a noite e as cores escuras são usadas como metáfora, no mundo todo, desde os primórdios da civilização e que é natural se sentir desconfortável quando não há claridade, visibilidade.
Parece já perda de tempo tentar mostrar que aquela história de ‘denegrir’ ter surgido no período da escravatura brasileira é uma pseudoetimologia, pois o verbo existe desde o século XV, muito antes do descobrimento da América e de qualquer escravidão imposta por europeus nestas terras.
Está sendo inócuo dizermos repetidamente que ‘Etimologia não justifica censura’, que o que vale é o sentido atual, o contexto do uso do termo e a intenção de que emprega. Esses princípios básicos da comunicação vêm sendo ignorados.Atualmente, não importa em que circunstância ela surja, a chance de quem proferir ‘denegrir’ ser censurado, “corrigido”, cancelado e até acusado de racismo está cada vez maior.
Exemplos como o ocorrido no programa ‘Em Pauta’, do canal ‘Globo News’, no dia 24 de maio, quando o jornalista Marcelo Cosmo advertiu a comentarista Carolina Cimenti por ter cometido um “escorregão” ao falar ‘denegrir’. Ela disse, em seguida, que “a palavra é claramente racista” e pediu perdão.
Esgotados os argumentos lógicos, cabe a nós nos dobrarmos à censura da verbo porque alguns consideram que é preciso evitar qualquer relação da cor preta a elementos negativos, principalmente quando entra Etimologia na história.
Então, para quem vê sentido em execrar ‘denegrir’ porque associa ‘negro’ a algum ‘sentido pejorativo’, trago mais algumas palavras para compor sua lista de censura.
Já podemos riscar ‘atroz’ e ‘atrocidade’, pois elas vêm do latim ‘atrox’, que significa ‘de aspecto negro, horrível, medonho’.
Está no dicionário Houaiss. Nos dicionários de 1580, já existia o vocábulo ‘atro’ significando “negro, sombrio”.‘
Ofuscar’ também pode ir dizendo adeus. O verbo vem do latim ‘offuscare’ (obscurecer, tornar confuso, degradar), partindo de ‘fuscus’ (negro, escuro, sombrio).
‘Horror’, assim escrito também em latim, significava, dentre várias coisas ruins, ‘escuridão, trevas, negro’. Então, ‘horror’ e ‘horroroso’ também já podem ser excluídos.
Cancelemos também ‘malandro’, pois o termo vem do italiano ‘malandrino’ (vagabundo, mendigo leproso), de 1280. ‘Malandria’, como chamavam a hanseníase (lepra), vem do grego antigo ‘melándruon’, ligado à palavra ‘mélas’, que significa ‘negro’. O hanseniano ficava com a pele escurecida – daí o nome.Aliás, já no grego antigo (de 1000 a 330 a.C.), ‘mélas’ era assim entendido “negro, sombrio; triste, funesto”. (Veja como é antiga a relação entre os conceitos.) Daí temos ‘melancolia’ (tristeza causada pela bile negra). É desse controverso ‘mélas’ que a condição de alguém ter cor escura foi chamada de ‘melania’, em 1706, e as proteínas de cor marrom e preta de nossa pele foram nomeadas como ‘melaninas’, em 1873.
Então, pelo raciocínio estranho que se pede a supressão de ‘denegrir’, quem diria, teremos de também excluir a ‘melanina’, que é justamente motivo de orgulho para muita gente.
Referências:
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‘Dicionário Latino Português’, por Francisco Torrinha (1942) e dicionário ‘Houaiss’ (2009).
Matéria: ‘Comentarista da Globonews é corrigida ao vivo por usar o termo “denegrir”’, no jornal ‘Correio Braziliense’ (25 mai. 2022).
Figura: Globonews/Reprodução (mai. 2022).
por João Montojos e Fernando Pestana.