É ZERO coisa ou ZERO coisas?


É zero hora ou zero horas? É zero ovo ou zero ovos? É zero carro ou zero carros?  É zero coisa ou zero coisas?

Para entendermos por que é “zero coisa” em alguns lugares e em outros é “zero coisas”, primeiramente temos que observar um “zero” afastado de seu valor quantitativo e próximo a uma referencia de algo “vago”, algo “incontável”.

Lembramos que o zero começou a ser usado como “calculável” na Europa somente no séc. XIII, e isso faz uma grande diferença nas linguagens de origem latina e anglo-saxãs. Antes disso, o zero era apenas a “ausência” de algo, uma coisa indefinida.

No dicionário Priberam, por exemplo, diz que o zero é um “sinal numérico representado pelo algarismo 0, que não tem valor próprio(…)”.

Devido a essa entrada tardia do zero como calculável, em muitos idiomas se aplica o singular somente ao +1 e ao -1, outros já preferem incluir o zero no singular.





Vamos usar o “carro” como exemplo, por mais que soe bem estranho.

Em inglês, por exemplo, pode-se dizer : “I have zero cars” ou também “I don’t have any cars”.

Em francês, “zero carro” é “zéro voiture”, no singular.

Já a Real Academia Española sugere o “cero coches”, no plural.

Em Portugal é “zero carros”,  no Brasil é “zero carro”.


Como sabemos que a língua é um ente vivo, o uso de um número cardinal para adjetivar um sustantivo se adaptou às falas, à mescla de idiomas, às necessidades imediatas de cálculo e à cultura de cada povo. Em alguns países o zero pluraliza, em outros não.

Há um caso interessante com o termo “zero hora” (ou “zero horas). A pesquisadora Fátima Ribeiro (referenciada no fim do texto) coloca “que, apesar dessa tentativa de uniformização a nível global, subsistem divergências não só entre as várias línguas existentes no mundo, mas também entre línguas aparentadas entre si – como, por exemplo, o francês e o espanhol, ambas românicas – e até numa mesma língua, como é o caso do português”.





Vê-se que no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, há o seguinte exemplo:

  • Obteve uma classificação de zero valores no teste.

e também na Gramática do Português (2013), se lê:

  • Excetuando um/uma (p.e., o meu neto faz hoje um ano), todos os numerais cardinais, incluindo zero, especificam nomes no plural: Tive zero erros no ditado.

No Brasil é comumente usado o singular, sendo o plural normalmente rejeitado como agramatical. Vejam-se estes excertos do Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo.

  • O zero torna invariável a palavra que o segue: zero hora, zero grau centígrado, zero-quilômetro, etc. Nunca, portanto: às “zero horas”, “zero graus” centígrados, etc.

Enfim, as instituições apenas oficializam o casos linguísticos já legitimados. No nosso caso, no Brasil, “zero hora”, zero grau” e “tenho zero carro na garagem” (soa estranho dizer isso, mas gramaticalmente está ok”). Em Portugal, “tenho zero carros na garagem).

Bons estudos.

Francisco Thomé Arquer é professor de português e jornalista


Referencias:

Cunha, Celso e Cintra, Lindley (1984) Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Edições Sá da Costa.

Eduardo Martins, Manual de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo, (1997,) 3ª edição. São Paulo: O Estado de São Paulo, p. 313.

https://dicionario.priberam.org/…

https://catedraportugues.uem.mz/…




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Pedro Luis
Pedro Luis
3 anos atrás

Muito legal. Isso mostra msm que a diferença no português de Portugal e do Brasil é estrutural

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